Cartografia das imagens de Brasília no cinema
Surge da necessária reflexão sobre como Brasília é tematizada pelo cinema de ficção e documental, bem como busca-se a emergência de paisagens recorrentes, configurando tramas e cenas próprias da linguagem cinematográfica em seu enfoque sobre a surgimento de desenvolvimento da produção do espaço da capital.
Brasília surge pela lente da câmera antes mesmo de efetivar-se como espaço construído . A cidade surge pela lente, mas sua visibilidade e enquadramento cinematográfico se transforma ao longo das três primeiras décadas da existência da cidade, mas a captação imagética profissional já estava presente desde o princípio. Cartografar estas maneiras de olhar a capital para interrogar "o onde" de sua criação e "como" se expressa ao longo das décadas de 1960, 70 e 80, é um caminho para compreender a multiplicidade de criações da imagem em movimento, enfiando-se nos meandros de poeira vermelha, esqueletos monumentais, gente de todos os sotaques; ou distanciando-se para abarcar gigantismos e enquadrar o impossível do irreal pela ficção. A cartografia aqui proposta usa o mapa e fotografia como suporte de expressão em busca de possíveis identidades – posições de olhar e modos de recriar Brasília – pela lente de cineastas diversos, brasileiros ou estrangeiros, nascidos ou deslocados para criar o visível ou invisível no espaço vivo, personagens em contexto, figura e fundo de suas realizações. O uso do mapa possibilitou localizar/instalar as locações e inscrições cinemáticas reveladoras da grande concentração, no período da pesquisa, na Região Administrativa Brasília (RA I), mais especificamente no Plano Piloto. O movimento de realização de outras posicionalidades de/do olhar; logo de outras maneiras de tematizar o Distrito Federal, é recente, sobretudo com os/as cineastas nascidos (as), em Brasília e outras RAs. Obviamente, incursões ocorreram em outros espaços do Distrito Federal e se fizeram outras criações imagéticas, mas a concentração evidente nestas primeiras décadas está na monumentalidade da capital e de suas mazelas. Sem pretender uma periodização canônica é possível falar de cinegrafistas pioneiros (final da década de 1950 e início da década de 1960), buscando a impossível pura objetividade do soerguimento capital. Já nos anos 60, temos os primeiros cineastas de fora que buscaram a ficção/documentação, bem com divulgação do cinema em Brasília, cidade cuja presença era esqueleto de concreto, ferro e vidro. Às vezes, o cotidiano do corpo-trabalhador pela poeira. A criação do curso de cinema na UNB, em 1964, implico uma formação pela estratégia do documentário, produzindo uma série de posições que abandonam o céu e à arquitetura para vazar de gentes e sua cacofonia. Destaca-se a liderança de Nelson Pereira dos Santos e a realização do documentário Fala Brasília. Com a instalação da ditadura civil- militar, temos uma franca perseguição e brutos silenciamento dessas maneiras de olhar, resistindo aqui e ali.
¹Vladimir Carvalho afirma que no ato de nascimento de Brasília a câmera já estava ali para registrar, como se estivesse "trazendo à luz" a capital, para um aprofundamento da questão cf. Cinema Candango – matéria de jornal.Esta posição documental/jornalística sobrevive nos anos 1970 e 1980, com uma série de trabalhos que são estudos do cotidiano e eternização da vivência na capital, tais como Vestibular 70 e Brasília, ano 10. Neste período começa a se criar outros discursos imaginários, que vislumbram uma Brasília menos exclusiva, mais derramada e menos concentrada no Plano Piloto, o que vai desembocar nos anos de 1990, que extrapola o escopo desta cartografia, mais também é uma interrogação exigente de mapeamento. As fotografias não são uma simples reprodução das tomadas cinematográficas do período pesquisado, e sim um tipo de suspensão de tempo como sequência para evidenciar um espaço/tempo de encontros e desencontros com a cinematografia produzida. A suspensão da sequência permite que um movimento se dê pelo olhar de quem se apropria das imagens, intencionalmente criadas nas locações/posições que identificam o cinema brasiliense das décadas pesquisadas. Por fim, não há qualquer esgotamento da cinematografia do período neste mapeamento, mas uma abertura a um novo topos fílmico brasileiro e seu espaço de realização se eterniza, expande, fratura-se e coproduz identidades.
Wallace Pantoja ²A ideia dos topos fílmicos brasileiro emergiu da conversa com meu amigo e geógrafo André Lima de Alvarenga, que investiga as relações entre geografia e cinema. André disse que o Prof. Roberto Lobato Corrêa explicitava – embora desconfie que a ideia seja do Prof. Caio Augusto Amorim Maciel – a existência de três topos fílmicos do cinema brasileiro: a favela carioca, o sertão nordestino e a floresta amazônica. Nossa proposta é que Brasília no Cerrado do Planalto Central esteja emergindo como um quarto topos.